segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Natal e a Segunda Guerra Mundial.

    A eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945), incluiu o Rio Grande do Norte, mais precisamente Natal, no panorama mundial como localidade importante da situação naquele momento, que exigia operações internacionais. Pela situação geográfica privilegiada de ponto estratégico no Atlântico Sul, o Brasil com sua extensa costa sem grandes recortes e um número satisfatório de bons portos, tornou - se peça significativa nessa conjuntura internacional.
    E o Rio Grande do Norte pela contingência geográfica no promontório nordestino constituía - se como fator influente na preservação da soberania do Brasil e das Américas dada a sua proximidade da costa africana.
    Por esse motivo, logo após a deflagração da II guerra Mundial na Europa, setembro de 1939, as autoridades norte - americanas iniciaram táticas de aproximação com o Presidente Getúlio Vargas, objetivado atraí - lo para o bloco das Potências Aliadas no combate contra as nações do eixo.: Alemanha, Itália e Japão.
    Passada a fase de indecisão, Getúlio Vargas definiu - se em 1941 pelo apoio aos americanos, firmando com eles acordoas para que construíssem aqui suas bases militares. No ano seguinte, 1942, o Brasil entrou oficialmente na guerra, ao lado dos aliados, levado por uma série de circunstâncias externas e internas, responsabilizando - se pelo envio das tropas para a Europa.
   
     No plano externo, houve influência de duas ordens de fatores:
- a adoção de uma política continental , em que os EUA ao inicio da guerra em 1941, buscou o apoio dos demais países americanos e conseguiu o comprometimento de todos.
- a agressão movida pela Alemanha contra os países neutros. Navios mercantis brasileiros foram afundados por submarinos alemães, o que provocou muitos protestos e pressões no governo no que se refere em decretar guerra ao Eixo.
    Internamente, os diferentes setores da sociedade brasileira começaram a revelar sua preferência pelos Aliados, tendo em vista que, além da afinidade cultural, consequentemente das tradicionais relações do Brasil com o grupo franco - inglês, havia os interesses econômicos, já que maior parte dos investimentos e empréstimos estrangeiros eram de origem anglo - americana.
    Com relação ao assunto, a questão  decisiva foi a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, para qual os Estados Unidos se responsabilizavam pelos recursos técnicos e financeiros.
    Assim resolvido, em contrapartida pelos Acordos assinados em 1942, os norte americanos se obrigavam a adquirir as nossas matérias primas, sobretudo minérios e borracha, ao fornecimento de armamentos e munições, assim como possibilitaram a implantação da Siderúrgica.
    Em decorrência, a partir de 1941, tropas militares brasileiros e norte - americanos se transferiram para Natal, e outras localidades do Nordeste, a fim de estabelecerem as suas bases e quartéis .
    Em 1940, o Rio Grande do Norte, como já se sabe, era governado pelo interventor Rafael Fernandes Gurjão e tinha seu desenvolvimento econômico vinculado a produção de algodão, de sal e da cera de carnaúba. A indústria estava surgindo.
    Natal era uma cidade pequena e de hábitos provincianos, com uma população estimada em 52.582 habitantes, espalhados entre os bairros da Ribeira, (Centro Comercial, político e cultural da cidade), do Tirol, Petrópolis, Cidade Alta, Rocas e Alecrim.
    A cidade era administrada  por Gentil Ferreira de Souza, prefeito de Natal pela segunda vez desde de 1935, continuando até 1942. Não existiam ainda ônibus, o serviço de transporte coletivo era feito pelos bondes pela empresa Força e Luz Nordeste do Brasil, que além de operar os bondes também bastante precárias.
    Mesmo sendo uma cidade pequena, contava com entidades científicas como o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a Academia Norte - Rio - Grandense de Letras, o Aero - Club do Rio grande do Norte, onze clubes esportivos, três jornais - A República, A Ordem e o Diário (18-09-1939) - e o Grande Hotel, único hotel em Natal na época.
    Natal possuía de 10 a 12 pequenas industrias, todas ligadas aos setores tradicionais, o setor bancário contava com o Banco do Brasil,  Banco do Rio Grande do Norte, Banco dos Auxiliares do Comércio e o Banco Comércio e Indústria.
    No setor de saúde, a cidade contava com o Hospital Miguel Couto ( hoje Onofre Lopes), a Policlínica do Alecrim, em fase de expansão ; o Asilo de Alienados, no Alecrim,  o Hospital São joão para atendimento de tuberculosos, a Colônia São Francisco de Assis, para tratamento dos leprosos e a Maternidade Januário Cicco, que estava em fase de construção.
    Com um clima seco saudável, um excelente fornecimento de água potável, um litoral de belas praias, vida pacata, Natal antes da chegada dos americanos usufruía de pouco progresso material. 
    A localidade, que correspondia a um planalto entre colinas e meias laranjas com a lagoa que lhe deu nome, já era conhecida do Coronel Luís Tavares Guerreiro, que costumava levar para lá o batalhão sob seu comando para exercícios militares. No ano de 1927 sugeriu que fosse utilizado como campo de pouso para os aviões da latecoère. Feita uma limpeza sumária e o nivelamento provisório foi inaugurado em outubro desse mesmo ano, com a construção de hangares da Air Françe e da Itália. 
    Por esse motivo, Cascudo aponta o Coronel Tavares Guerreiro como descobridor e padrinho de Parnamirím, ao indicá-lo para o objetivo que o tornaria famoso entre todos os campos de pouso do mundo. A partir de então, o local torno-se o centro de aterrissagem de grandes ases. 
    É interessante notar que as viagens aéreas que ocorriam em natal até essa época, tinham como ponto de embarque e desembarque a praia da Limpa. " A proximidade da guerra multiplicou as viagens, autoridades, verificações, exames. Parnamirim começou a ser citada porque aí chegavam ministros de estado, embaixadores, generais, almirantes, jornalistas, industriais, gente de fotografia em jornal e freguesia nos noticiários". 
    Além disso, a marinha, autorizará o Almirante Ari Parreiras a instalar a base naval do natal em Refoles, também com a finalidade de defesa nesse tempo de guerra. Nesse sentido vale descartar também a vinda da marinha dos EUA para Natal, e a chegada, em Dezembro de 1941, de um esquadrão e patrulhamento da marinha dos EUA, composto de nove aeronaves e posterior chegada de fuzileiros navais. 
    Clyde Smith Jr. afirma que, antes das instalações das bases americanas em natal, foi enviada ao brasil uma missão de boa vontade para melhorar as relações entre este e os EUA, no decorrer da qual o General Emmons, comandante do quartel general da força aérea, procedeu a uma completa inspeção da área de projeção litorânea da costa brasileira. A conclusão da inspeção foi a certeza de que a área de natal era fundamental para a defesa dos EUA, continental e do canal do Panamá contra as forças inimigas.
    Por esse motivo, os EUA se viam obrigados a instalar bases no brasil, especialmente no nordeste, utilizando para tanto, os recursos disponíveis, uma vez que essa região era considerada desarmada, tendo em vista a concentração das tropas brasileiras na região sudeste do país. Para solucionar o problema o ministério da guerra dos EUA decidiu construir e melhorar os aeroportos no nordeste do brasil, cuja a operação seria executada através do programa de desenvolvimento dos aeroportos e envolveria as linhas aéreas pan american e suas subsidiáreas. 
    O temor diante da possibilidade dos alemães usarem Dakar, África, como base para ataque ao nordeste do brasil, levou os americanos à conscientização do grave problema da sua defesa e apressarem as medidas  necessarias. Por conta disso, o embaixador americano no brasil, Jefferson Caffery, solicitou ao presidente brasileiro Getúlio Vargas, bases especificas para serem utilizadas por avioes americanos e a concessão das terras proximas a essas bases para uso de interesse americano. 
    Assim, com decreto-Lei 3462, assinado em julho de 1941, o governo atendia a solicitação americana, autorizando a construção e melhoramento dos aeroportos terrestres, entre outros, o de natal. A responsabilidade do campo de parnamirim ficou por conta da Panair do brasil. O interessante do referido decreto, era que ele estabelecia, isenção a Panair de obrigaçoes alfandegarias sobre o material importado para a construção dos aeroportos se necessario. 
    Em 1942 o brasil cortou as suas relações diplomaticas com o eixo e permitio que os EUA mudassem seu quartel general do atlantico sul da Guiana inglesa para natal, bem como a presença de maior contingente militar americano.
    Nesse mesmo ano, a força aérea brasileira consagrava parnamirim,com a instalação e sua base, permitindo a partida do primeiro grupo de avioes que seguindo os comboios maritimos estabelecia o policiamento dos mare num trabalho constante de cobertura e vigilancia. 
    A base aérea de natal foi criada por Getulio Vargas iniciando logo suas atividades. Do outro lado da base aérea brasileira, perto da lagoa, foi construida a base aérea americana, parnamirimfield considerada como a maior mobilização tecnica realizada pelos EUA no seu territorio. Todos os serviços modernos, todos os recursos da tecnica possiveis ao genio e ao dinheiro, estavam abundantemente acumulados em parnamirim.
    Além dos militares americanos aquartelados na base, havia uma estimativa de cerca de 2.000 que se alojavam em natal, entre homens, mulheres, especialmente tenicos. 
    Parnamirim logo se transformou numa pequena cidade, com agencia do US Post Office, igreja, forum, policia e cadeia, hospital com 178 leitos, escolas, lavanderias, padarias, camaras frigorifica com capacidade para 3.000 metros cubicos de alimentos.Um anfiteatro ao ar livre com uma tela de cinema, exibia os filmes meses antes de entrarem no circuito comercial. O mesmo anfiteatro servia ainda, de palco para os shows com grandes nomes da broadway e hollywood, como tambem facilmente se transformava em salao de bailes ao ar livre. 
    Merece destaque a instalação de uma enorme loja Tax Free, PIÉCS, especie de reembolsavel, que logo transformou-se na grande atração de parnamirim pelos preços e novidades. Ali se vendia quase tudo.
    Tambem foi instalada em parnamirim um engarrafamento de coca-cola, o primeiro do brasil, que se tornou o 4º pais do mundo a consumir o referido refrigerante. 
    Diante das dificuldades na locomoção entre natal e o aeroporto, devido as pécimas condições das estradas os americanos construiram uma rodovia pavimentada em tempo recorde ligando a base ate a interseção da rua Potengi com a Praça Pedro Velho.
     No ano seguinte em 1943, ocorreu um acontecimento de grande significação para as relações entre Brasil e estados Unidos, que foi o encontro entre os Presidentes Roosevelt e Vargas. O Presidente Vargas com sua comitiva chegou a Natal na noite do dia 27 de janeiro, atendendo mensagem do Presidente Roosevelt, que manifestava desejo do encontrarem - se para conversar.  Retornando de Casablanca (Marrocos), África, Roosevelt chegou a Natal na manhã do dia 28 de janeiro.
     Mesmo após o final da guerra, continuou recebendo visitas ilustres como o general Dwight Eisenhower, que aqui esteve em agosto de 1946.

Mudanças nos hábitos natalenses

      Sobre as relações de convivência dos americanos com os natalenses, Souza informa que, mesmo instalados na Base, aérea de Parnamirim, os americanos estabeleceram uma grande relação com Natal, até porque funcionava na chamada praia Limpa. Onde para facilitar a articulação Natal e Parnamirim, fora feita uma estrada asfaltada de vinte quilômetros.
     A convivência dos americanos  com a populaçãonatalense provocou mudanças nos nossos padrões de comportamento e simultaneamente, impulsionol o desenvolvimento do comércio da cidade. A cidade calma, de vida mansa e cadeiras na calçada, foi de repente tomada de impulso pela presença de soldados brasileiros e americanos. Os americanos eram encontrados nas praias, cinemas, lojas, igrejas, zona, na pracinha, etc. Educados, alegres e corteses, instituíram o hábito de ajudar as mulheres com a cadeira na hora de sentar e levantar, bem como presentear flores.
     Os natalenses foram aos poucos aderindo aos hábitos americanos como: o uso de roupas informais, com as camisas por fora das calças (sileques); abolição de ternos e gravatas nas soirés e depois extensivos às repartições públicas; uso de barba diária; a introdução de ritmos caribenhos, rumbo, conga e boleros, danças e músicas americanas como o swing e o blue; o uso de gírias e palavras em inglês; adoção do sistema de bares e restaurantes conjugados, que antes funcionavam em prédios separados.
     A oportunidade de trabalho às mulheres nos estabelecimentos norte - americanos, que ofereciam transporte para locais de trabalho e festas, trouxe como consequência a liberação de muitas delas da submissão patriarcal. Começaram a sair sozinhas com os namorados, ou acompanhadas apenas por uma irmã mais velha ou irmão, espécie de dama de companhia, frequentando bares, cinemas, shows, bailes e praias. Assim muitas mulheres se tornaram independentes, fumando cigarros Chesterfield (considerado fraquinho) e consumindo bebidas alcoólicas, suavizando o rum com a coca - cola.
     A difusão da língua inglesa, devido à necessidade de comunicação, foi feita através de convênios para a transmissão de aulas de inglês pela rádio educadora Natal. Os professores Protásio Melo e Paulo de Souza davam aulas particulares e eram intérpretes em muitas situações. Muitas palavras inglesas foram inseridas no vocabulário natalense.
     A necessidade de comunicação com os ameicanos despertou o interesse do aprendizado da língua em várias camadas sociais, e treinava - se de várias formas: desde de cursinhos a bate papo com os americanos. Os mais velhos no grande Hotel e os adolescentes com os pilotos e fuzileiros.
     A introdução de hábitos diferentes dos nossos, como por exemplo na alimentação, o natalense passou a comer o tomate; nos esportes (vôlei e basquete); no bom humor; na alegria de festas e bailes, nos clubes, nos cinemas, nas músicas e ritmos estrangeiros e ainda nos namoros que resultaram em muitos casamentos entre norte - rio - grandenses e americanos.
     Com o objetivo de promover a confraternização entre grupos recém - chegados e as famílias norte - rio - grandenses, foram criados os Clubes 50, pelo Consulado, que realizavam  bailes ao ar livre e todas as quintas - feiras no salões do Aéreo Clube. A Marinha também realizava bailes requintados, que eram frequentados pela sociedade local
     Outra influência interessante, que se diz ser atribuída a presença dos americanos em Natal, se refere à mudança dos nomes de muitas ruas do bairro do Alecrim, que originalmente, têm nomes de presidentes da Província e tribos indígenas, como por exemplo, a Avenida Presidente Bandeira, a Presidente Quaresma, ou a Av. dos Caicós ou dos Panatís, entre outras, que passaram a ser enumeradas e assim ficaram conhecidas como, Avenida Um; Avenida dois, etc, enumeradas até 20. Entretanto, os cidadãos mais antigos de Natal, contestaram essa informação, afirmando que o uso dessa denominação é anterior a chegada dos americanos.
     Ocorreu também o aumento da prostituição, e alguns cabarés se notabilizaram e ficaram bastante conhacidas, como o de Maria Boa, figura que se tornou bastante popular no cenário da época, e o Wander bar. Existiam cabarés na ribeira e até em Macaíba.
     Um dos graves problemas enfrentados em Natal devido à presença dos soldados brasileiros e norte - americanos eram em ralação ao abastecimento de alimentos e água dos quartéis e da população civil residente na capital. Isso porque Natal é muito atrasada.
     Pelo visto, não se pode negar a importância que Natal teve na II Guerra Mundial, como ponto de apoio dos americanos e seus aliados. Foi sem dúvida uma influência decisiva na guerra, possibilitando às Nações Unidas as condições para alcançar seus objetivos. Nem tão pouco, podemos ignorar o que representou a presença americana na comunidade natalense, contribuindo em muitos aspectos para a mordenização e crescimento econômico e cultural da cidade.

Retirado do livro: História do Rio Grande do Norte (Luiz Eduardo Brandão Suassuna e Marlene da Silva Mariz).



 


   

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